10 de novembro de 2014

Acalmando a Alma IX

É MEU DEVER DIZER AOS JOVENS O QUE É UM GOLPE DE ESTADO:
http://www.hildegardangel.com.br/?p=35008


Me apaixonei num sonho




A dialética do homem atual é transformar em filosofia coisas óbvias e lógicas, e deixar de lado o que é de suma importância ser debatido.

Me apaixonei num sonho

Nenhuma noticia do juiz cruel
E seu dedo funesto e tremulante;
Nem por um instante,
E dou graças aos deuses,
Deu sinal.

E cabe quando, a qual, a quem afinal,
Vestir o corpo com a tez do pecado?
Eu não, e por enquanto sigo no não...
Não sou réu aqui, sou sonho,
Aqui sou o que, o qual, e quem quero.

É sim me apaixonei no sonho
E como ela é, não digo.
É sim, pois aqui nada é pecado,
Nada é mutilação, traição, tampouco mau gosto,
E não existe nada de oposto,
Nem mesmo a contradição.

Esse sonho não é feito para olhos alheios;
Até mesmo a escrita é em linha reta
Sem partida – chegada, sem meta,
Sem nem ao menos “os meios”...
(boa merda).
Mas qual graça teria ser e ter o perfeito em volta
Sem a vida às vezes em reviravoltas,
Sem solda nem fenda,
Sem pouco nem sobra,
Sem erro ou acerto? (boa bosta).

André Anlub®
(10/6/14)

9 de novembro de 2014

Acalmando a Alma VIII

Há 45 anos, em 15 de novembro, em pleno AI-5, "O Pasquim" publicava a célebre entrevista com Leila Diniz. A imprensa nunca mais foi a mesma, a mulher brasileira também. Joaquim Ferreira dos Santos, biógrafo da atriz, conta a história daquele momento e mostra trechos do áudio da entrevista, com todos aqueles palavrões que o jornal substituiu por asteriscos. Ouça o programa na Rádio Batuta: http://www.radiobatuta.com.br/Episodes/view/723


Imagem: Leila Diniz, 1971. Foto de David Drew Zingg/ acervo IMS.

Bucólico Eu

Tema: Mulheres de Chico 
Título musical: Cecília

Bucólico Eu

Um bardo e suas moças, suas musas,
São suas asas em êxtase – motor propulsor;
Buscam paixões arquitetadas, minudências focadas,
Na alma, no corpo e no papel...
No entanto e no intuito elas extravasam nuvens, 
Voam assim: avivadas e soberbas, plumas,
Buscando a veemência – a coerência, ao léu.

“Buarqueando” - Como não falar de Chico?
- Se a moradia na emoção é o botão de liga/desliga de uma alma incendiária.
E por falar em musas...
São obsoletas?
São absolutas?
Algumas reais:
“A Marieta manda um beijo para os seus...”.

Agora, veio-me a mente “Cecília” (nome da minha mãe);
Mas vivem muitas na permuta aos olhos do poeta;
Tornam-se paixões, canções, tentames, rabiscos infames,
Fragmentos do meu bucólico Eu. (que nunca se completa).

André Anlub®
(30/10/14)

Acalmando a Alma XII

8 de novembro de 2014


ALGUNS MINICONTOS

O texto falava o que os textos raramente falam, porque os textos não são de falar, são de escrever. Tronúncio, então, em vez de ouvir o que o texto falava, só ficava lendo, coitado, e perdia tudo.


- Me chamou de mentiroso!
- Bem, você nem sempre fala a verdade.
- E me chamou de intransigente.
- Bom, você nem sempre é flexível.
- Também me chamou de violento.
- Já te vi dar alguns socos na mesa.
- Me chamou de...
- Peraí. Te chamou, te chamou. E você foi?


- Quando nós fomos dois-em-um era ótimo, não era, Lalinha?
- Era. Estragou tudo quando tivemos que ser três-em-um.


- Eu só quero saber de uma coisa!
- É mais feliz que eu então. Quero saber bem mais do que uma...


Atravessamos a cidade a pé. Muitas horas caminhando. Descobrimos várias cidades dentro da cidade. Vamos atravessar a cidade a pé outras vezes.


- Lembra quando nós éramos felizes?
- Não foi ontem?
- Parece que foi ontem...


- Eu nunca mais vi Jenumina.
- E é importante que vejas Jenumina?
- Não sei, só acho estranho. Antes eu via tanto Jenumina e agora não vejo mais.
- E quem é que estás vendo bastante hoje?
- Você, por exemplo.
- Então eu sou a Jenumina de amanhã.
- Não diz isso!
- Por que não?


Uma simples troca de olhar, ela disse. E Plinalvo acreditou. E trocou de olhar com ela. E então viu que não havia nada de simples naquilo.


Pensando outra vez em tudo que deixou de fazer, Fanitto sentiu um nó na garganta e um peso no peito. Então Fanitto pensou – outra vez – em tudo que não fez e se odiaria caso tivesse feito. O nó desatou-se na garganta e o peso saiu de seu peito.


Dolévio não conseguia emprego mesmo com ótimas qualificações. Formado, pós-graduado, estágios respeitáveis, de toda vez que batia na porta “certa” ela se fechava. Ou permanecia fechada. O que há de errado comigo?, lastimava-se. Será que vou ter que dar um tiro na cabeça? Deu. Não conseguiu morrer, todavia. E suas ótimas qualificações, depois disso, passaram a valer menos ainda.


Era capaz de mandar tudo às favas, de virar as costas e nunca mais voltar. Mas algo o impedia. Então ele olhava para a capacidade de mandar tudo às favas, fazia-lhe perguntas diretas e recebia respostas que não o agradavam, pois não estavam na sua capacidade de virar as costas e não voltar nunca mais.


- Vô, o que é globalização?
- É quando passa a mesma novela em todos os canais de televisão do mundo.
- Ah, vô, não brinca!
- E quem te diz que eu estou brincando, filho?


Solto no mundo, Gerardo Saralva preocupava-se apenas com o dia em que o mundo ia se incomodar com isso e exigir que ele ficasse preso. Enquanto não vinha esta desgraça, Gerardo Saralva pouco se importava. Mas quando ela viesse ele ia se importar muito.


- As coisas tristes também são bonitas.
- É, mas são tristes.
- Isso a gente já sabia desde o início...


Temos que comprar, temos que comprar, temos que comprar. Será mesmo que temos que comprar, temos que comprar, temos que comprar?


Astrovínio comprou um computador novo no exato dia em que seu computador velho disse que poderia durar ainda três anos, com folga. Astrovínio achou um desaforo seu computador velho dizer uma coisas dessas.

Rogério Camargo

Acalmando a Alma VII

7 de novembro de 2014

#SomosTodosDiferentes

Acreditar que as pessoas podem fazer justiça com a próprias mãos é acreditar que elas podem punir tudo que consideram errado.

A mãe de Alexandre Thomé Ivo Rajão, de 14 anos que foi assassinado em junho de 2010, conversou com Stephen Fry neste trecho do documentário "Out There" sobre a situação dos homossexuais em diferentes países do mundo. 


Essa situação piora quando o discurso vem assim: "eu te aceito, mas não aceito suas práticas". seria algo do tipo: "aceito que você seja canhoto, mas não venha escrever com a mão esquerda perto de mim". Dizer que o casamento igualitário não deveria ser aprovado porque a sua religião não permite faz tanto sentido quanto dizer para alguém não comer um pedaço de bolo porque você está de dieta.


Essa história de "aceito" já parte de um pressuposto que a pessoa é superior e precisa aceitar o outro, ninguém é superior a ninguém quando se trata de orientação sexual, apenas reconheça as diferenças e a importância delas.


Eu vejo que muitas pessoas ainda confundem liberdade de expressão com um suposto direito de oprimir e incitar o ódio, causando assim muitas agressões, físicas e psicológicas, e até mesmo mortes violentas. O discurso de Jair Bolsonaro alimenta o ódio dos homofóbicos e transfóbicos, ódio esse que mata membros da comunidade LGBT todos os dias. O “X” da questão é o ódio que se dissemina e não devemos permitir que façam do outro o seu brinquedo de “caça as bruxas”. 


O conservadorismo é assassino, infundado e insensível. Fundamentalismo religioso mata, mas, antes de matar de fato, ele mata a vítima por dentro, agredindo-a até colocá-la em uma posição de inferioridade, a qual somente o mais politizado será capaz de superar.


O conservadorismo mata mulheres, vítimas do machismo, e moças pobres que precisam recorrer aos abortos ilegais, sem segurança. Também mata crianças e adultos que sofrem de doenças como a síndrome de Dravet, cujo tratamento mais eficaz é à base de maconha. E mata travestis, gays, lésbicas e qualquer outra pessoa que julgar necessário matar. O maior problema do conservadorismo é que ele mata todos os dias, por ser a força mais vil da sociedade.


#SomosTodosDiferentes


- Everton Vieira






Rick Rosas morre aos 65 anos


Morreu nesta quinta-feira, aos 65 anos, o baixista Rick Rosas. Músico de sessão durante mais de quatro décadas, ele se destacou a partir dos anos 1980 por colaborar e excursionar com artistas como Neil Young, Joe Walsh (dos Eagles), Jerry Lee Lewis e Johnny Rivers. A causa da morte não foi revelada.

Nos últimos anos, Rosas tocou com o roqueiro canadense na carreira solo e em suas bandas Crazy Horse (substituindo Billy Talbot, que havia sofrido um AVC), Buffalo Springfield e Crosby, Stills, Nash & Young. Ele tocou em sete álbuns de Young, entre eles "Freedom" (1989), do clássico "Rockin' in the free world". Outra parceria foi com a banda da então esposa do músico, Pegi.

Rosas também foi um antigo colaborador de Joe Walsh, a quem conheceu na década de 80. Com ele, gravou seis discos. Outros colaboradores ao longo dos anos foram Etta James e Ronnie Wood.

Read more: http://oglobo.globo.com/cultura/musica/baixista-de-neil-young-joe-walsh-rick-rosas-morre-aos-65-anos-14505047#ixzz3IQUxvMIr

ALB seccional da Bahia

Duas alegrias inenarráveis que são fazer parte da Elos Literários com a querida amiga poeta Pérola Bensabath com suas ações em prol da literatura, e a de ser indicado e agora membro correspondente da ALB seccional da Bahia. Meu abraço aos Elos-escritores, membros da ALB e amigos amantes das letras. ---  Site: http://albswiss.blogspot.com.br/

Aniversário de Cecília

Cecília Meireles foi poetisa, pintora, professora e jornalista. É considerada umas das vozes líricas mais importantes da literatura de língua portuguesa. Deguste seus poemas.

Cecília Benevides de Carvalho Meireles (Rio de Janeiro, 7 de novembro de 1901 — Rio de Janeiro, 9 de novembro de 1964) foi uma poetisa, pintora, professora e jornalista brasileira. É considerada uma das vozes líricas mais importantes das literaturas de língua portuguesa.


Tu Tens um Medo
Cecília Meireles

Acabar. 
Não vês que acabas todo o dia. 
Que morres no amor. 
Na tristeza. 
Na dúvida. No desejo. 
Que te renovas todo dia. 
No amor. 
Na tristeza 
Na dúvida. 
No desejo. 
Que és sempre outro. 
Que és sempre o mesmo. 
Que morrerás por idades imensas. 
Até não teres medo de morrer. 
E então serás eterno. 
Não ames como os homens amam. 
Não ames com amor. 
Ama sem amor. 
Ama sem querer. 
Ama sem sentir. 
Ama como se fosses outro. 
Como se fosses amar. 
Sem esperar. 
Tão separado do que ama, em ti, 
Que não te inquiete 
Se o amor leva à felicidade, 
Se leva à morte, 
Se leva a algum destino. 
Se te leva. 
E se vai, ele mesmo... 
Não faças de ti Um sonho a realizar. 
Vai. 
Sem caminho marcado. 
Tu és o de todos os caminhos. 
Sê apenas uma presença. 
Invisível presença silenciosa. 
Todas as coisas esperam a luz, 
Sem dizerem que a esperam. 
Sem saberem que existe. 
Todas as coisas esperarão por ti, 
Sem te falarem. 
Sem lhes falares. 
Sê o que renuncia Altamente: 
Sem tristeza da tua renúncia! 
Sem orgulho da tua renúncia! 
Abre as tuas mãos sobre o infinito. 
E não deixes ficar de ti Nem esse último gesto! 
O que tu viste amargo, Doloroso, 
Difícil, O que tu viste inútil 
Foi o que viram os teus olhos Humanos, 
Esquecidos... 
Enganados... 
No momento da tua renúncia 
Estende sobre a vida 
Os teus olhos 
E tu verás o que vias: 
Mas tu verás melhor... 
... E tudo que era efêmero se desfez. 
E ficaste só tu, que é eterno.

Acalmando a alma VII




6 de novembro de 2014

Na saliva da vida


Na saliva da vida
(André Anlub - 4/4/13)

Sem rumo, faz do instinto sua bússola,
Anda com a cara e a coragem;
Não mata um leão por dia,
Mas encara a besta macabra.

É dono dos prós e contras,
Um pé na frente e outro atrás;
Constrói seus moinhos de vento
Ao som de um clássico do jazz.

A cada lua minguante,
Pinta um cômodo da casa
E rega o jardim das camélias...
Que vibram nas águas dançantes.

O cachorro deitado num canto
E o canto dos pássaros belos:

- O pica-pau e o trinca-ferro
- O bem-te-vi e um melro...
Dão mais vida ao montante.

O voo da tranquilidade
Num céu azul de espaço,
Abraço da vida em liberdade
É o beijo na sede no riacho.

Não mais submerso em vil fachada,
Brinda os versos da mãe natureza;
Em aquarelas muito além das janelas
Que atravessa seguindo as pegadas.

Agora não são mais quimeras,
Novas paixões o esperam...
Sem sonho, sem pouco, sem mera
Nas mil opções de chegadas.



5 de novembro de 2014

Acalmando a alma VI


Dia da Cultura - 5 de Novembro

Comemora-se hoje o Dia da Cultura Brasileira, homenagem a Ruy Barbosa, nascido em 5 de novembro de 1849. 




O JUSTO E A JUSTIÇA POLÍTICA
Sexta-feira, 31 de março de 1899.
Rui Barbosa

Para os que vivemos a pregar à república o culto da justiça como o supremo elemento preservativo do regímen, a história da paixão, que hoje se consuma, é como que a interferência do testemunho de Deus no nosso curso de educação constitucional. O quadro da ruína moral daquele mundo parece condensar-se no espetáculo da sua justiça, degenerada, invadida pela política, joguete da multidão, escrava de César. Por seis julgamentos passou Cristo, três às mãos dos judeus, três às dos romanos, e em nenhum teve um juiz. Aos olhos dos seus julgadores refulgiu sucessivamente a inocência divina, e nenhum ousou estender-lhe a proteção da toga. Não há tribunais, que bastem, para abrigar o direito, quando o dever se ausenta da consciência dos magistrados.

Grande era, entretanto, nas tradições hebraicas, a noção da divindade do papel da magistratura. Ensinavam elas que uma sentença contrária à verdade afastava do seio de Israel a presença do Senhor, mas que, sentenciando com inteireza, quando fosse apenas por uma hora, obrava o juiz como se criasse o universo, porquanto era na função de julgar que tinha a sua habitação entre os israelitas a majestade divina. Tão pouco valem, porém, leis e livros sagrados, quando o homem lhes perde o sentimento, que exatamente no processo do justo por excelência, daquele em cuja memória todas as gerações até hoje adoram por excelência o justo, não houve no código de Israel norma, que escapasse à prevaricação dos seus magistrados.

No julgamento instituído contra Jesus, desde a prisão, uma hora talvez antes da meia-noite de quinta-feira, tudo quanto se fez até ao primeiro alvorecer da sexta-feira subseqüente, foi tumultuário, extrajudicial, a atentatório dos preceitos hebraicos. A terceira fase, a inquirição perante o sinedrim, foi o primeiro simulacro de forma judicial, o primeiro ato judicatório, que apresentou alguma aparência de legalidade, porque ao menos se praticou de dia. Desde então, por um exemplo que desafia a eternidade, recebeu a maior das consagrações o dogma jurídico, tão facilmente violado pelos despotismos, que faz da santidade das formas a garantia essencial da santidade do direito.

O próprio Cristo delas não quis prescindir. Sem autoridade judicial o interroga Anás, transgredindo as regras assim na competência, como na maneira de inquirir; e a resignação de Jesus ao martírio não se resigna a justificar-se fora da lei: "Tenho falado publicamente ao mundo. Sempre ensinei na sinagoga e no templo, a que afluem todos os judeus, e nunca disse nada às ocultas. Por que me interrogas? Inquire dos que ouviam o que lhes falei: esses sabem o que eu lhes houver dito". Era apelo às instituições hebraicas, que não admitiam tribunais singulares, nem testemunhas singulares. O acusado tinha jus ao julgamento coletivo, e sem pluralidade nos depoimentos criminadores não poderia haver condenação. O apostolado de Jesus era ao povo. Se a sua prédica incorria em crime, deviam pulular os testemunhos diretos. Esse era o terreno jurídico. Mas, porque o filho de Deus chamou a ele os seus juízes, logo o esbofetearam. Era insolência responder assim ao pontífice. Sic respondes pontifici? Sim, revidou Cristo, firmando-se no ponto de vista legal: "se mal falei, traze o testemunho do mal; se bem, por que me bates?"

Anás, desorientado, remete o preso a Caifás. Este era o sumo sacerdote do ano. Mas, ainda assim, não não tinha a jurisdição, que era privativa do conselho supremo. Perante este já muito antes descobrira o genro de Anás a sua perversidade política, aconselhando a morte a Jesus, para salvar a nação. Cabe-lhe agora levar a efeito a sua própria malignidade, "cujo resultado foi a perdição do povo, que ele figurava salvar, e a salvação do mundo, em que jamais pensou".

A ilegalidade do julgamento noturno, que o direito judaico não admitia nem nos litígios civis, agrava-se então com o escândalo das testemunhas falsas, aliciadas pelo próprio juiz, que, na jurisprudência daquele povo, era especialmente instituído como o primeiro protetor do réu. Mas, por mais falsos testemunhos que promovessem, lhe não acharam a culpa, que buscavam. Jesus calava. Jesus autem tacebat. Vão perder os juízes prevaricadores a segunda partida, quando a astúcia do sumo sacerdote lhes sugere o meio de abrir os lábios divinos do acusado. Adjura-o Caifás em nome de Deus vivo, a cuja invocação o filho não podia resistir. E diante da verdade, provocada, intimada, obrigada a se confessar, aquele, que a não renegara, vê-se declarar culpado de crime capital: Reus est mortis. "Blasfemou! Que necessidade temos de testemunhas? Ouvistes a blasfêmia". Ao que clamaram os circunstantes: "É réu de morte".

Repontava a manhã, quando a sua primeira claridade se congrega o sinedrim. Era o plenário que se ia celebrar. Reunira-se o conselho inteiro. In universo concilio, diz Marcos. Deste modo se dava a primeira satisfação às garantias judiciais. Com o raiar do dia se observava a condição da publicidade. Com a deliberação da assembléia judicial, o requisito da competência. Era essa a ocasião jurídica. Esses eram os juízes legais. Mas juízes, que tinham comprado testemunhas contra o réu, não podiam representar senão uma infame hipocrisia da justiça. Estavam mancomunados, para condenar, deixando ao mundo o exemplo, tantas vezes depois imitado até hoje, desses tribunais, que se conchavam de véspera nas trevas, para simular mais tarde, na assentada pública, a figura oficial do julgamento.

Saía Cristo, pois, naturalmente condenado pela terceira vez. Mas o sinedrim não tinha o jus sanguinis, não podia pronunciar a pena de morte. Era uma espécie de júri, cujo veredictum, porém, antes opinião jurídica do que julgado, não obrigava os juízes romanos. Pilatos estava, portanto, de mãos livres, para condenar, ou absolver. "Que acusação trazeis contra este homem?" Assim fala por sua boca a justiça do povo, cuja sabedoria jurídica ainda hoje rege a terra civilizada. "Se não fosse um malfeitor, não to teríamos trazido", foi a insolente resposta dos algozes togados. Pilatos, não querendo ser executor num processo, de que não conhecera, pretende evitar a dificuldade, entregando-lhes a vítima: "Tomai-o, e julgai-o segundo a vossa lei". Mas, replicam os judeus, bem sabes que "nos não é lícito dar a morte a ninguém". O fim é a morte, e sem a morte não se contenta a depravada justiça dos perseguidores.

Aqui já o libelo se trocou. Não é mais de blasfêmia contra a lei sagrada que se trata, senão de atentado contra a lei política. Jesus já não é o impostor que se inculca filho de Deus: é o conspirador, que se coroa rei da Judéia. A resposta de Cristo frustra ainda uma vez, porém, a manha dos caluniadores. Seu reino não era deste mundo. Não ameaçava, pois, a segurança das instituições nacionais, nem a estabilidade da conquista romana. "Ao mundo vim", diz ele, "para dar testemunho da verdade. Todo aquele que for da verdade, há de escutar a minha voz". A verdade? Mas "que é a verdade"? pergunta definindo-se o cinismo de Pilatos. Não cria na verdade; mas a da inocência de Cristo penetrava irresistivelmente até o fundo sinistro dessas almas, onde reina o poder absoluto das trevas. "Não acho delito a este homem", disse o procurador romano, saindo outra vez ao meio dos judeus.

Devia estar salvo o inocente. Não estava. A opinião pública faz questão da sua vítima. Jesus tinha agitado o povo, não ali só, no território de Pilatos, mas desde Galiléia. Ora acontecia achar-se presente em Jerusalém o tetrarca da Galiléia, Heródes Antipas, com quem estava de relações cortadas o governador da Judéia. Excelente ocasião, para Pilatos, de lhe reaver a amizade, pondo-se, ao mesmo tempo, de boa avença com a multidão inflamada pelos príncipes dos sacerdotes. Galiléia era o forum originis do Nazareno. Pilatos envia o réu a Heródes, lisonjeando-lhe com essa homenagem a vaidade. Desde aquele dia um e outro se fizeram amigos, de inimigos que eram. Et facti sunt amici Herodes et Pilatus in ipsa die; nam antea inimici erant ad invicem. Assim se reconciliam os tiranos sobre os despojos da justiça.

Mas Herodes também não encontra, por onde condenar a Jesus, e o mártir volta sem sentença de Herodes a Pilatos que reitera ao povo o testemunho da intemerata pureza do justo. Era a terceira vez que a magistratura romana a proclamava. Nullam causam invenio in homine isto ex his, in quibus eum accusatis. O clamor da turba recrudesce. Mas Pilatos não se desdiz. Da sua boca irrompe a quarta defesa de Jesus: "Que mal fez ele? Quid enim mali fecit iste?" Cresce o conflito, acastelam-se as ondas populares. Então o procônsul lhes pergunta ainda: "Crucificareis o vosso rei?" A resposta da multidão em grita foi o raio, que desarmou as evasivas de Herodes: "Não conhecemos outro rei, senão César". A esta palavra o espectro de Tibério se ergueu no fundo da alma do governador da província romana. O monstro de Cáprea, traído, consumido pela febre, crivado de úlceras, gafado da lepra, entretinha em atrocidades os seus últimos dias. Traí-lo era perder-se. Incorrer perante ele na simples suspeita de infidelidade era morrer. O escravo de César, apavorado, cedeu, lavando as mãos em presença do povo: "Sou inocente do sangue deste justo".

E entregou-o aos crucificadores. Eis como procede a justiça, que se não compromete. A história premiou dignamente esse modelo da suprema cobardia na justiça. Foi justamente sobre a cabeça do pusilânime que recaiu antes de tudo em perpétua infâmia o sangue do justo.

De Anás a Herodes o julgamento de Cristo é o espelho de todas as deserções da justiça, corrompida pela facções, pelos demagogos e pelos governos. A sua fraqueza, a sua inconsciência, a sua perversão moral crucificaram o Salvador, e continuam a crucificá-lo, ainda hoje, nos impérios e nas repúblicas, de cada vez que um tribunal sofisma, tergiversa, recua, abdica. Foi como agitador do povo e subversor das instituições que se imolou Jesus. E, de cada vez que há precisão de sacrificar um amigo do direito, um advogado da verdade, um protetor dos indefesos, um apóstolo de idéias generosas, um confessor da lei, um educador do povo, é esse, a ordem pública, o pretexto, que renasce, para exculpar as transações dos juízes tíbios com os interesses do poder. Todos esses acreditam, como Pôncio, salvar-se, lavando as mãos do sangue, que vão derramar, do atentado, que vão cometer. Medo, venalidade, paixão partidária, respeito pessoal, subserviência, espírito conservador, interpretação restritiva, razão de estado, interesse supremo, como quer te chames, prevaricação judiciária, não escaparás ao ferrete de Pilatos! O bom ladrão salvou-se. Mas não há salvação para o juiz cobarde.

* Obras Completas de Rui Barbosa, "A Imprensa", vol. XXVI, tomo IV, 1889, p. 185-191.

Manjando o Kilimanjaro


Manjando o Kilimanjaro
(André Anlub® - 27/4/14)

Tanto tempo contemplando a inventiva montanha:
Mais tarde, quem sabe, a alma fale e olhe com olhar sedento;
Quem sabe exprime, em música e rima, a saudade e o lamento.
Mais tarde, quem sabe, tal angústia suave e em silêncio,
Desça sem freio e molhe o meu cúmplice de pano...
(meu travesseiro)

Submerso nas ilusões das palavras de tintas e nos fios de seda,
Procedo com medo, arredio, e coração cheio de ar, de vento, de ventania...
(porém, vazio).

Ficou tarde e agora troca-se o chá verde de menta
Por um copo cheio de camomila;
(quem sabe uma taça de vinho).

As torradas com mel e gergelim,
As estrelas da noite ou de um céu, enfim,
Quase tudo de quase todos,
Sumiram com a escuridão da saliva seca da saudade...

No céu da boca.
Foi-se a montanha, é o fim...
(eu e o horizonte, sós).

Biografia quase completa






Escritor, locador, vendedor de livros, protético dentário pela SPDERJ, consultor e marketing na Editora Becalete e entusiasta pelas Artes com uma tela no acervo permanente do Museu de Arte Contemporânea da Bahia (MAC/BA)

Autor de sete livros solo em papel, um em e-book e coautor em mais de 130 Antologias poéticas

Livros:
• Poeteideser de 2009 (edição do autor)
• O e-book Imaginação Poética 2010 (Beco dos Poetas)
• A trilogia poética Fulano da Silva, Sicrano Barbosa e Beltrano dos Santos de 2014
• Puro Osso – duzentos escritos de paixão (março de 2015)
• Gaveta de Cima – versos seletos, patrocinado pela Editora Darda (Setembro de 2017)
• Absolvido pela Loucura; Absorvido pela Arte
(Janeiro de 2019)

• O livro de duetos: A Luz e o Diamante (Junho 2015)
• O livro em trio: ABC Tríade Poética (Novembro de 2015)

Amigos das Letras:
• Membro vitalício da Academia de Artes, Ciências e Letras de Iguaba (RJ) cadeira N° 95
• Membro vitalício da Academia Virtual de Letras, Artes e Cultura da Embaixada da Poesia (RJ)
• Membro vitalício e cofundador da Academia Internacional da União Cultural (RJ) cadeira N° 63
• Membro correspondente da ALB seccionais Bahia, São Paulo (Araraquara), da Academia de Letras de Goiás (ALG) e do Núcleo de Letras e Artes de Lisboa (PT)
• Membro da Academia Internacional De Artes, Letras e Ciências – ALPAS 21 - Patrono: Condorcet Aranha

Trupe Poética:
• Academia Virtual de Escritores Clandestinos
• Elo Escritor da Elos Literários
• Movimento Nacional Elos Literários
• Poste Poesia
• Bar do Escritor
• Pé de Poesia
• Rio Capital da Poesia
• Beco dos Poetas
• Poemas à Flor da Pele
• Tribuna Escrita
• Jornal Delfos/CE
• Colaborador no Portal Cronópios 2015
• Projeto Meu Poemas do Beco dos Poetas

Antologias Virtuais Permanentes:
• Portal CEN (Cá Estamos Nós - Brasil/Portugal)
• Logos do Portal Fénix (Brasil/Portugal)
• Revista eisFluências (Brasil/Portugal)
• Jornal Correio da Palavra (ALPAS 21)

Concursos, Projetos e Afins:
• Menção Honrosa do 2° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Brava Gente Brasileira”.
• Menção Honrosa do 4° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Amor do Tamanho do Brasil”.
• Menção Honrosa do 5° Concurso Literário Pague Menos, de nível nacional. Ficou entre os 100 primeiros e está no livro “Quem acredita cresce”.
• Menção Honrosa no I Prêmio Literário Mar de Letras, com poetas de Moçambique, Portugal e Brasil, ficou entre os 46 primeiros e está no livro “Controversos” - E. Sapere
• classificado no Concurso Novos Poetas com poema selecionado para o livro Poetize 2014 (Concurso Nacional Novos Poetas)
• 3° Lugar no Concurso Literário “Confrades do Verso”.
• indicado e outorgado com o título de "Participação Especial" na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas/Salvador (BA).
• indicado e outorgado com o título de "Talento Poético 2015" com duas obras selecionadas para a Antologia As Melhores Poesias em Língua Portuguesa (SP).
• indicado e outorgado com o título de Talento Poético 2016 e 2017 pela Editora Becalete
• indicado e outorgado com o título de "Destaque Especial 2015” na Antologia O Melhor de Poesias Encantadas VIII
• Revisor, jurado e coautor dos tomos IX e X do projeto Poesias Encantadas
• Teve poemas selecionados e participou da Coletânea de Poesias "Confissões".
• Dois poemas selecionados e participou da Antologia Pablo Neruda e convidados (Lançada em ago./14 no Chile, na 23a Bienal (SP) e em out/14 no Museu do Oriente em Lisboa) - pela Literarte

André Anlub por Ele mesmo: Eu moro em mim, mas costumo fugir de casa; totalmente anárquico nas minhas lucidezes e pragmático nas loucuras, tento quebrar o gelo e gaseificar o fogo; não me vendo ao Sistema, não aceito ser trem e voo; tenho a parcimônia de quem cultiva passiflora e a doce monotonia de quem transpira melatonina; minha candura cascuda e otimista persistiu e venceu uma possível misantropia metediça e movediça; otimista sem utopia, pessimista sem depressão. Me considero um entusiasta pela vida, um quase “poète maudit” e um quase “bon vivant”.

Influências – atual: Neruda, Manoel de Barros, Sylvia Plath, Dostoiévski, China Miéville, Emily Dickinson, Žižek, Ana Cruz Cesar, Drummond
Hobbies: artes plásticas, gastronomia, fotografia, cavalos, escrita, leitura, música e boxe.
Influências – raiz: Secos e Molhados, Chico Buarque, Gilberto Gil, Caetano Veloso, Mutantes, Jorge Amado, Neil Gaiman, gibis, Luiz Melodia entre outros.
Tem paixão pelo Rock, MPB e Samba, Blues e Jazz, café e a escrita. Acredita e carrega algumas verdades corriqueiras como amor, caráter, filosofia, poesia, música e fé.